Zelensky: Cortar o gás russo para a Europa é um dos maiores fracassos de Moscou
A Europa entrou oficialmente na era pós-gás da Rússia. O longo acordo de trânsito de gás entre Rússia e Ucrânia finalmente expirou, sem ser renovado, no dia 31 de dezembro de 2024.
Principais dutos de gás da Europa
A Gazprom, empresa estatal de gás russa, anunciou nesta segunda-feira (1º) que encerrou o trânsito de gás pela Ucrânia, já que o acordo de trânsito com o país expirou. A Gazprom afirmou em um comunicado que encerrou o trânsito de gás da Rússia para a Europa pela Ucrânia às 8h do horário de Moscou desta segunda-feira, já que seu contrato com a Ucrânia para transporte de gás russo pelo país expirou.
Por décadas, a Rússia tem transportando gás de seus campos na Sibéria para a Eslováquia, República Tcheca, Hungria e Áustria por um oleoduto que cruza a Ucrânia. E esses países têm dependido muito da Gazprom para seus suprimentos de gás.
Segundo dados do Eurostat, a Rússia representou 69% das importações de gás da Eslováquia em 2023 e 60% da Áustria. Por isso, "o fim da era da Gazprom" traz a eles muito ansiedade. O primeiro-ministro eslovaco, Robert Fico, já havia dito anteriormente que o fim do trânsito seria um "golpe duro para a economia da UE" e seu impacto seria "muito mais doloroso do que para a Rússia".
Antes, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, enfatizou que foi a Ucrânia que se recusou a estender os contratos de trânsito para as entregas à Eslováquia, República Tcheca e Áustria. "Não somos culpados", enfatizou, acrescentando que a Europa seria "punida" com preços mais altos de gás.
Já o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, disse que enquanto a guerra continuar e não houver garantias de que o Kremlin não receberá lucros financeiros, a Ucrânia não permitirá o trânsito de gás russo por seu território.
O governo da Ucrânia, por sua vez, declarou que a Europa havia decidido abandonar o gás russo.
"Paramos o trânsito de gás russo. Este é um evento histórico. A Rússia está perdendo o mercado, e perderá dinheiro", afirmou o ministro de energia da Ucrânia, German Galushchenko, em um comunicado.
Sem impacto?
Mas alguns analistas prevêem que o "corte" não deverá afetar os preços que os consumidores da União Europeia pagam, ao contrário do que ocorreu em 2022, quando a redução dos envios russos de gás levou a preços recordes e alimentou a crise de custo de vida e prejudicou a competitividade da UE.
Na verdade, até novembro do ano passado, depois que a Rússia interrompeu o fornecimento de gás para a Áustria, a Eslováquia era o único país da UE que ainda recebia gás russo por meio da Ucrânia. Ela também ganhava dinheiro ao enviar gás para a Áustria, Hungria e Itália.
Agora, a Eslováquia e a Áustria têm entregas alternativas garantidas, e a Hungria passará a receber gás russo pelo oleoduto TurkStream, que atravessa o Mar Negro, também conhecido como Nord Stream 2.
Mas pode haver algum impacto. A região separatista da Transnístria, da Moldávia - um pequeno enclave entre Ucrânia e Moldávia - interrompeu o fornecimento de aquecimento e água quente para os moradores na madrugada desta quarta-feira (3).
A empresa de energia local, a Tirasteploenergo, pediu aos moradores que se vestissem com roupas quentes, pendurassem cobertores ou cortinas grossas nas janelas e portas do terraço e usassem aquecedores elétricos.
Zelensky disse que a interrupção no envio de gás russo da Ucrânia para a Europa era "um dos maiores fracassos de Moscou" e pediu que os EUA oferecessem mais gás para a Europa.
"Quanto mais produtos de energia tivermos de verdadeiros parceiros da Europa no mercado, mais cedo superaremos as últimas consequências negativas da dependência energética da Europa em relação à Rússia", completou.
Ele também disse que o "trabalho em comum" da Europa agora era ajudar a Moldávia, uma ex-república soviética, durante o "período de transição energética".
Por sua vez, a Comissão Europeia disse que o bloco está preparado para o corte.
"A infraestrutura de gás da Europa é flexível o suficiente para fornecer gás não russo. Capacidade adicional substancial de importação de gás natural liquefeito (GNL) foi adicionada desde 2022", disse um porta-voz da comissão.
Fico advertiu sobre o impacto do corte do gás russo em seu discurso de ano novo
Com o ano novo de 2025, o longo acordo de trânsito de gás entre Rússia e Ucrânia finalmente expirou, marcando o "fim da era do gás russo na Europa".
No dia 1º de janeiro no horário local, o primeiro-ministro da Eslováquia, Robert Fico, alertou no discurso de Ano Novo que a paralisação das entregas de gás russo teria um "impacto sério" na Eslováquia e no próprio bloco.
Ele também criticou a União Europeia por ignorar os interesses de países pequenos.
Fico fez esse comentário em um vídeo postado nas redes sociais.
"Na política mundial, não importa se os elefantes se amam ou brigam, a grama sempre sofre", disse Fico, que não queria que a Eslováquia se tornasse a inocente "grama" nesse cenário, "pois vimos recentemente que parar o trânsito [do gás] pela Ucrânia significa um grande impacto para todos os países da UE, mas não na Rússia".
No vídeo, Fico criticou a hegemonia de "interesses nacionais egoístas" e "objetivos geopolíticos absurdos" dentro da União Europeia e afirmou que os países pequenos, como a Eslováquia, estavam tendo seus interesses ignorados pelo bloco.
Fico também disse que adotará uma política externa de engajamento global em 2025, enquanto "respeita o direito internacional e se abstém de interferir nos assuntos internos de outros países".
O acordo de cinco anos para o trânsito de gás entre Rússia e Ucrânia, assinado em 2019, expirou oficialmente no dia 31 de dezembro de 2024.
A empresa estatal de gás russa, Gazprom, anunciou que, devido a razões técnicas e legais, suspendeu todos os envios de gás russo por meio da Ucrânia, a partir das 8h de Moscou neste dia 1º.
Dados da operadora do trânsito de gás da Ucrânia mostraram que a Rússia não requisitou nenhum pedido de entrega de gás à Europa por meio dos dutos ucranianos no dia 1º.
A agência de notícias Reuters chamou isso de "fim da era do gás russo na Europa".
Desde 1991, a Rússia tem realizado entregas de gás para a Europa através da Ucrânia. Antes do início da guerra entre Rússia e Ucrânia, em 2022, a Rússia era o maior fornecedor de gás individual à União Europeia, e entregava gás aos países europeus através do oleoduto "Nord Stream", que atravessa o Mar Báltico, do oleoduto Bielo-Rússia-Polônia, do oleoduto Ucrânia e do oleoduto "Turkish Stream", que atravessa o Mar Negro.
Após o início da guerra, o fornecimento de gás da Rússia para a Europa foi interrompido devido à destruição do oleoduto Nord Stream e outros fatores, então a dependência da União Europeia pelo gás via dutos russo caiu de 40% em 2021 para cerca de 8% em 2023.
Nesses últimos dias, a Ucrânia, que já havia afirmado várias vezes que não pretende renovar o contrato, aprofundou o desacordo com vários países membros da UE, inclusive República Tcheca e Hungria, sobre a iminente expiração do acordo de trânsito de gás entre Rússia e Ucrânia. A Rússia condenou a decisão da Ucrânia de não renovar o contrato, acusando-a de "punir a Europa" e violar o direito internacional.
O gás transportado pelo território ucraniano representava cerca da metade das exportações de gás via dutos da Rússia para a Europa. E a Eslováquia, membro da UE, era a que mais dependia deste oleoduto. Em novembro do ano passado, após a Rússia interromper as entregas de gás para a Áustria, a Eslováquia era o único país da União Europeia que ainda recebia gás via Ucrânia.
Ela também ganhava dinheiro ao enviar gás para a Áustria, Hungria e Itália. Por isso, a Eslováquia estava extremamente irritada com a Ucrânia "desligando" o gás e os dois países trocaram ofensas sobre o tema há quase duas semanas.
Para resolver o problema do "desligamento", o primeiro-ministro eslovaco, Fico, "visitou a Rússia" no fim de dezembro do ano passado e realizou conversas com o presidente Putin. O mandatário russo disse na época que a Rússia estava disposta a continuar fornecendo gás ao Ocidente, inclusive para a Eslováquia, mas não ficou claro qual esquema a Rússia e a Eslováquia iriam criar para fazer essas entregas de gás.
Sobre a expiração do acordo, o governo da Eslováquia afirmou que está preparado para enfrentar a perda do gás russo, o país tem estoque de gás e suprimentos alternativos para 2025, mas outros fornecedores elevarão os custos para a Eslováquia. O ministério da economia da Eslováquia declarou anteriormente que, embora o país não terá faltas de energia elétrica devido ao desligamento do gás, precisará pagar quase 200 milhões de euros a mais para os novos trajetos.
Fico também advertiu no dia 28 de dezembro que pode tomar "medidas simétricas", inclusive parar de exportar energia elétrica para a Ucrânia durante o inverno. Mas, o lado ucraniano não levou essa ameaça tão a sério, dizendo que eles "não esperam" que a Eslováquia faça isso pois isso "absolutamente violaria" os regulamentos da UE.
Então, no dia 29 de dezembro, Fico enviou uma carta para a União Europeia, dizendo que a expiração do acordo de trânsito ucraniano terá maior impacto sobre o bloco do que sobre a Rússia.
Ele estima que os consumidores europeus poderão enfrentar 40 a 50 bilhões de euros a mais em custos de gás ao ano, além de 60 a 70 bilhões de euros a mais em custos de eletricidade ao ano.
A União Europeia tentou minimizar o impacto do encerramento do acordo de trânsito de gás entre Rússia e Ucrânia, mas dados mostram que a interrupção de entregas de gás russo já levou o preço do gás na Europa a subir para 50 euros por megawatt-hora pela primeira vez em mais de um ano.