Por que Clinton sobreviveu ao impeachment, enquanto Nixon renunciou após o escândalo do Watergate

Jerry 0 comentários 0 favoritos
Por que Clinton sobreviveu ao impeachment, enquanto Nixon renunciou após o escândalo do Watergate

Então, por que Monica não foi o escândalo que levou ao pedido de demissão e ao processo de impeachment do primeiro presidente em exercício?

A resposta curta é: porque não foi o escândalo de Watergate, diz Brandon Rottinghaus, professor de ciência política da Universidade de Houston e apresentador do podcast "Party Politics" ("Política Partidária", em tradução literal). "Nenhum outro escândalo presidencial na história dos Estados Unidos se compara, sequer, ao de Watergate em termos de gravidade e abrangência", afirma.

Mas vamos mergulhar mais fundo.

Por um lado, Nixon renunciou em 1974, enquanto Clinton foi submetido a um processo de impeachment e absolvido em 1999.

"Com a vantagem da perspectiva histórica, fica claro que os escândalos do presidente Nixon e do presidente Clinton foram diferentes em aspectos fundamentais", diz Scott Basinger, professor associado de ciência política da Universidade de Houston.

Há, ainda, o fato de Clinton ter sobrevivido ao processo de impeachment — embora seu partido tivesse medo disso não acontecer, segundo Rottinghaus — porque os eleitores não tinham o mesmo medo.

"Eles não queriam que ele fosse submetido a um processo de impeachment. Os índices de aprovação dele estavam bem altos. A economia estava em pleno crescimento", diz Lara Brown, diretora e professora assistente da Escola Graduada de Gestão Política da Universidade George Washington.

Se tirarmos Johnson desse cenário, esse fato foi um fator importante para o que aconteceu com Nixon e Clinton, diz Brown.

"Uma das realidades importantes de nossa história é que Watergate veio logo após a Guerra do Vietnã. As dificuldades da guerra — o grande número de mortes combinado com o sentimento de que a guerra era irremediavelmente perdida — e os Pentágono Papers — em que muitas pessoas da população perceberam que tinham sido 'enganadas' sobre a guerra —contribuíram para o declínio da confiança no governo, que começou no segundo semestre dos anos 1960. Isso é evidente nos resultados de pesquisas".

Durante o mandato de Clinton, diferentemente do de Nixon, Brown observa que a confiança no governo estava em crescimento.

"Quando Nixon era presidente, a confiança no governo estava muito baixa — em torno de 25%, e persistiu dentro desse intervalo. Para Clinton, a confiança no governo estava aumentando nos anos 1990 — atingiu o menor índice no início dessa década, com o escândalo Irã-Contra, e estava em cerca de 25% naquela época, também".

Parte desse aumento de confiança, segundo ela, esteve diretamente relacionado à produtividade de relacionamento de trabalho de Clinton com os republicanos do Congresso.

"Em essência, as pessoas ficaram felizes por ver legislação sendo aprovada e por ver que acordos estavam sendo feitos do outro lado do corredor, de equilibrar o orçamento ao reformar o sistema de assistência social. Isso contrastava fortemente com as relações de Nixon com o Congresso".

Além disso, acrescenta Rottinghaus, Watergate foi o culminar de anos de escândalos e eventos.

"Watergate não foi um único evento que aconteceu e que chocou a todos. Ao contrário, muitos fatores ruins diferentes aconteceram, muitos diferentes detalhes foram encobertos. Houve muitos acontecimentos anteriores que foram revelados ao longo de anos, não meses. E, quando a verdade foi revelada, Nixon estava em grandes problemas e sua renúncia se tornou inevitável", diz Rottinghaus. "Então, o resultado da renúncia do presidente foi surpreendente, mas não chocante".

A economia também foi um fator importante, segundo Brown, que cita uma economia fragilizada no início da década de 1970 enquanto a economia estava forte para Clinton e seus índices de aprovação de trabalho continuavam aumentando no final dos anos 1990.

"E, quando uma crise econômica acontece, o presidente recebe a culpa por isso. Novamente, Clinton estava do outro lado dessa tendência. A economia estava crescendo, não contraindo. E, quando a economia vai bem, o presidente recebe crédito por isso", diz Brown.

Rottinghaus afirma que a economia também foi um fator forte para a sobrevivência de Bill Clinton, com eleitores relutantes a tirar um presidente eleito do cargo durante um período de economia em pleno crescimento e com taxas de desemprego baixas.

A união partidária também foi um fator, segundo Rottinghaus. Nixon foi perdendo, gradualmente, o apoio de seus aliados republicanos, enquanto Clinton manteve um apoio relativamente forte de seus aliados democratas no Congresso, inclusive democratas conservadores, como Joe Lieberman.

"E Clinton conseguiu obter apoio bipartidário na avaliação de seu desempenho no trabalho. Enquanto anos de Watergate haviam corroído o apoio básico de Presidente Nixon, que ficou restrito a aliados do núcleo duro. Isso significa que os republicanos da Câmara e do Senado estavam dispostos a expulsar Nixon como parte do interesse político a longo prazo do partido, enquanto o apoio do Partido Democrata a Clinton ajudou a impedir que o impeachment ocorresse no Senado", diz Rottinghaus.

E, ele acrescenta, houve o fato de traição dos aliados de Nixon.

"O escândalo derrubou muitos aliados de Nixon. Ele tinha muitas pessoas que o apoiavam e toleravam seus delitos", diz Rottinghaus.

Basinger concorda, dizendo que os "coconspiradores" de Clinton foram mais limitados — ele e Betty Currie, como comparado com o grande número de assessores de Nixon e de funcionários do governo envolvidos em Watergate.

Além disso, segundo Basinger, o escândalo era diferente também em tipo. "Este não foi um escândalo de abuso de poder — foi uma imoralidade pessoal de natureza sexual, e não um abuso de poder político", diz ele.

"O que realmente me fascina é como a opinião pública mudou durante o ano em que o escândalo Lewinsky foi a notícia mais proeminente", diz Basinger. "Inicialmente, republicanos e democratas compartilhavam a opinião de que, se Bill Clinton tivesse relacionamento sexual com a srta. Lewinsky, então ele deveria ser submetido a um processo de impeachment. Onde realmente houve uma grande diferença foi nos critérios deles sobre se Clinton tinha ou não tido o caso sexual do qual foi acusado".

Com o passar do tempo, Basinger observa, republicanos e democratas concordaram que Clinton realmente teve um relacionamento sexual impróprio com Lewinsky, "mas suas opiniões sobre a punição razoável a esse comportamento transgressor divergiram".

"Os republicanos achavam que ele deveria renunciar ou ser excluído do cargo, e os democratas não tinham essa opinião", diz ele. "Esta divisão também se estendeu às avaliações públicas sobre o fato de Clinton ter mentido sob juramento e de sua tentativa de cometer um obstrucionismo do governo".

Os democratas, segundo ele, eram mais tolerantes com a ideia de que havia circunstâncias especiais que rodeiam o fato de mentir sobre sexo e que isso não o levaria ao suporte que resultaria na sua exclusão do cargo. "Parece que o contexto era importante — que estava relacionado a questões de relacionamento sexual", diz Basinger.

Brown, que viveu o escândalo como membro da equipe de campanha de Clinton, diz que a raiz do escândalo de Clinton foi um caso extraconjugal — o que, na visão de muitas pessoas, era um escândalo pessoal e um assunto privado. "As pessoas sentiam que o que aconteceu em '98 não era um assunto político e não afetava o desempenho presidencial de Clinton", diz ela.

Elas ressentiam muito Ken Starr por ter ido tão longe — o mandato inicial do conselheiro independente era investigar a participação de Clinton no desenvolvimento imobiliário Whitewater", acrescenta ela. "A maioria das pessoas achava que o processo civil de Paula Jones e o que era entendido como um caso consentâneo com Monica Lewinsky eram negócios pessoais de Clinton e que ele estava fazendo um trabalho estelar como presidente".

No ambiente atual do "Eu Também", segundo ela, parece improvável que Clinton teria sobrevivido ao voto no Senado sobre sua exclusão do cargo. "Mas, naquele momento, o país tinha paz e prosperidade e elas sentiam que Clinton estava fazendo um bom trabalho como presidente. Elas não queriam vê-lo expulso do cargo. Elas não queriam vê-lo submetido a um processo de impeachment", diz Brown.

Os dois homens enfrentaram acusações de impeachment e investigações longas durante o exercício do cargo. Mas houve uma ampla disparidade entre os índices de aprovação deles após seus mandatos — 66% para Clinton; 24% para Nixon.

"Os índices de aprovação e grandiosidade de Presidente Nixon melhoraram ligeiramente com o passar do tempo, mas a mancha de Watergate e sua renúncia sempre servirão como um teto para que ele alcance ainda mais altos patamares nos rankings", diz Rottinghaus. "O presidente Clinton recebeu crédito por uma economia forte, por manter a paz no mundo e, portanto, seu legado sempre terá um pouco mais de espaço para subir nos rankings. No entanto, uma reavaliação das desigualdades de poder em relacionamentos sexuais pessoais e o movimento 'Eu Também' deve prejudicar a ascensão geral de Clinton no ranking de grandes presidentes".

E, acrescenta Brown, é importante lembrar, em geral, que as expectativas com relação ao cargo de presidente e com relação a pessoa que ocupa o cargo também foram muito diferentes no início dos anos 1970 em comparação com o final dos anos 1990.

"As pessoas sentiam que o cargo de presidente era um cargo elevado — acima das pessoas — um tipo de instituição. Camelot, se você quiser", diz ela. "E esperavam que o presidente fosse 'melhor do que' — mais inteligente, mais confiável, mais moral (do que o público em geral) — durante o mandato de Nixon, do que na década de 1990, quando eles queriam que a presidência fosse acessível e que os presidentes fossem mais compassivos, mais relacionáveis e mais autênticos".

E, segundo ela, os pecadilhos pessoais de Clinton foram revelados durante sua campanha (Gennifer Flowers, evasão do serviço militar e experimentação com maconha, por exemplo).

"E então, as pessoas com certeza ficaram menos surpresas com o escândalo Clinton quando comparado ao grosseirismo e aparente maldade de Nixon, que foram revelados nos registros das reuniões privadas dele no Salão Oval, mas ele não demonstrou isso publicamente", diz Brown.